A Bota

Ilustração Mariana Massarani

Ela não tem salto e é de cano alto.
Preta, básica, confortável. Com um detalhe que parece um cinto, cinto largo. De bota, cinto de bota.
Ela tem forro fofinho, lá dentro os pés estão sempre quentinhos.
Os bicos que são meio quadrados, vão perdendo pequenos pedaços, principalmente em escadas. É que eles chegam primeiro!

Ela fica bem com muita coisa. Por conta disso anda muito comigo, às vezes corre e até dança comigo.
Mas concluí que ela é meio esquisita, a bota.
Penso que é uma espécie de crise de identidade. Ela deve achar que é um par de patins. Porque desliza, desliza muito, desliza sempre. E em algumas das suas derrapadas acabou me derrubando. Em três pra ser mais específica.

A primeira queda proporcionada pela bota que desliza, foi em uma manhã fria, em frente à borracharia. Depois desse dia o borracheiro que já estava em serviço pensa que é meu amigo. É que diariamente ele me cumprimenta cúmplice e sorridente.
A segunda derrubada foi na descida do ônibus, bem na porta. As pessoas não gostaram e quase me atropelaram. Não foi nada fácil levantar o bundão que estava estatelado no chão, no meio daquela confusão.
E ontem, com bolsa, guarda-chuva e garoa, bem no cruzamento, no meio da faixa de pedestres, entre o Shopping e a Escola, perto do ponto de ônibus, dos camelôs e das lojas, em meio a todos aqueles carros, pequenos, médios e grandes e com muita gente em volta, levei o terceiro rola. Como adquiri prática levantei com agilidade, proporcionando poucas gargalhadas. Saí fingindo não estar envergonhada.
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E como não sou de guardar mágoa, porque acho que não vale a pena, ainda passeei com a doida da bota. E sem nenhum problema a levei ao cinema.

Rascunhos do texto acima